O quintal está em festa. Chuva de verão no Equinócio de
Primavera. Chuva de verdade, de gota grande que molha o chão e que lava as
folhas revelando no dia seguinte o verde brilhante que estava escondido sob a
poeira da seca.
O dia seguinte: Passarinhos diversos e muitos gritam,
cantam, berram e chamam sem descanso por seu par. Também chamam a mim e vou lá
ver o que acontece... Logo cedo, descobertas incríveis! As helicônias insinuam
suas flores vermelhas bebida de beija-flores. O ingá insinua seus frutos. Cores
por todos os lados. Flores e plantas crescem a olhos vistos. Levo um susto. A
pitangueira ficou mocinha! Pela primeira vez, mostra suas pequenas e delicadas
flores brancas. Quem sabe ela percebeu que sua mãe morreu e resolveu assumir a
produção de pitangas deste ano! De tarde, mais uma surpresa: as helicônias
exibem suas inflorescências vermelhas matinalmente só insinuadas.
Janaína pergunta: “você gosta mais do inverno ou do verão?”.
Minha amiga, com quem conversamos, responde: “aqui em Brasília, prefiro o
inverno”. Não me lembro como a conversa continuou, mas de repente ouvi Janaína
dizendo: “... no verão faz frio e no inverno faz calor”. Alto lá! Que susto.
Minha filha de nove anos não saber ainda o que é inverno e o que é verão. “não
filha... é ao contrário!”. “Mas mãe, é inverno e está muito calor!”
Pois é, apesar de tudo estar muito bagunçado e no inverno
fazer tanto calor, me sinto invadida por confiança e fé com o início dessa
Primavera com cara de Primavera, com sintomas de Primavera, com indicadores de
Primavera. Quem sabe um novo tempo já anunciado começa a acontecer ao mesmo
tempo em que o caos parece se instalar! Torço para que sigamos assim,
reconhecendo as estações do ano, das quais toda a natureza é dependente. Dois
graus de diferença nas máximas e mínimas podem representar o fim de uma espécie
em algum lugar. Muitas plantas necessitam de temperaturas que atingem um mínimo
nas noites de inverno para florescerem, outras precisam da combinação entre uma
determinada temperatura e um determinado comprimento de dia. A natureza é de
uma enorme complexidade delicada, intrincada, de precisão milimétrica que se
construiu ao longo de milhões e milhões de anos a partir da relação entre os
seres e desses com os ritmos da terra e do céu. Em co-evolução, espécies de
plantas, bichos e microorganismos foram, ao longo do tempo, construindo
sistemas, mecanismos e estratégias que permitiram com que se estabelecessem, se
multiplicassem e deixassem descendentes em um processo que envolveu e envolve
milhares de variáveis dificilmente compreendidas por nossos sistemas
científicos baseados na fragmentação do conhecimento.
Não sendo possível tudo compreender, resta-nos aceitar e
respeitar a inteligência da natureza, seguir seus fluxos, utilizar de todos os
nossos sentidos para agirmos no sentido de ajudar, proteger, perpetuar... ter
sempre em mente fazer parte desse sistema vivo complexo e vibrante ao invés de
querer controlá-lo.
Quem sabe assim nossos netos e bisnetos não se confundam mais
sobre se faz calor no inverno ou no verão.