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segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Seca em Dezembro?*


Estamos em Dezembro. Não chove há quase uma semana! No quintal, as plantas secam.
Penso logo nos agricultores que plantaram somente há duas semanas. Penso nas sementes recém germinadas, nas pequenas plantinhas surgindo. As raízes ainda pequeninas não estão prontas para buscar a água do fundo da terra. O seu corpinho ainda não acumulou água suficiente para agüentar mais que três ou quatro dias sem chuva. Uma semana sem chover pode ser fatal. Se isso acontecer, todo o esforço e as sementes serão perdidos. E se só havia aquelas sementes? E se não houver mais sementes guardadas para plantar? E se aquela variedade adaptada àquele lugar vem sendo plantada incansavelmente ano após ano há muitas gerações? De repente, uma semana sem chuva faz desaparecer para sempre aquela combinação de genes selecionados durante tantas gerações de plantios e colheitas...
As chuvas começaram tarde esse ano. Um mês mais tarde do que no ano passado. Mas quem plantou, disciplinadamente, na primeira semana de chuvas, no meio de novembro, provavelmente não perderá sua colheita. As plantas talvez sofram um pouco com esse veranico fora de hora, mas com quase um mês e meio crescendo no solo, estarão grandes o suficiente para terem acumulado a água que as manterá vivas durante alguns dias de inesperada seca. As raízes já afundaram no solo e conseguem acessar a água que se acumulou sob a superfície com as primeiras chuvas intensas. Se o solo estiver coberto com matéria orgânica, melhor ainda e maiores as chances de sobrevivência. É nessa hora que um solo coberto faz toda a diferença!
É claro que aqueles que podem ter um sistema de irrigação nada sofrem, mesmo que tenham plantado um pouco mais tarde. Mas quem pode? A agricultura familiar que cuida das variedades adaptadas localmente ou as empresas rurais que plantam sementes hibridas e transgênicas? Está claro quem mais sofre com as consequências das mudanças do clima? E qual o custo ambiental dos sistemas de irrigação? Quando sabemos que 70% da água potável vêm sendo utilizados para a irrigação dos cultivos e que, aos poucos, os aqüíferos superficiais e de sub-superfície vêm sendo aceleradamente esgotados e poluídos, podemos concluir que quem pagará esse custo não é quem irriga hoje, mas sim nossos filhos e netos que não terão água para beber se continuarmos explorando os recursos hídricos da forma como estamos fazendo atualmente.
Conhecer os ciclos da natureza é, há milênios, mais do que necessário. É uma questão de sobrevivência. Quem foi disciplinado e conhece os ciclos da natureza, plantou no meio do mês de novembro. E não plantou todas as sementes que tinha. Quem se atrasou, por um motivo ou por outro, e não dispõe de um sistema de irrigação, está a ver suas plantas morrerem com esse veranico fora de hora.
Há o momento certo de plantar para que a colheita seja abundante. O momento de plantar – literalmente – as roças que nos alimentarão em 2013 coincide, no nosso calendário romano, com o final de um ciclo solar, momento de parada para as festas de fim de ano e, para muitos, momento de tirar férias e descansar. Momento também de plantar nossos sonhos e, mais do que isso, colocar a semente de fato na terra, no momento certo, disciplinadamente, sem adiarmos nenhuma semana. Assim, nenhuma seca inesperada nos pegará de surpresa. Nossas plantinhas já estarão em franco crescimento, forte e resistentes e aguentarão alguns dias de veranico.    

* Originalmente publicado na edição de dezembro do Jornal "Deusa Viva", da Teia de Thea (www.teiadethea.orgwww)

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Plantas e Humanos em Coevolução

Em genética de populações, coevolução é o fenômeno pelo qual diferentes espécies se modificam ao longo das gerações como resultado da interação que acontece entre elas.

Um exemplo clássico é a evolução de muitas das substâncias de defesa produzidas pelas plantas. As plantas que consideramos venenosas são plantas que produzem substâncias tóxicas que as protegem do ataque dos herbívoros. Vejam o caso da comigo-ninguém-pode, que é uma planta ornamental muito linda que produz um látex urticante e venenoso. A sua toxicidade é devida à produção de cristais de oxalato de cálcio em forma de agulhas, as ráfides. Pode ser que sua ancestral não tivesse ráfides. Nesse caso, era provável que, frequentemente, as plantas fossem devoradas por diversos herbívoros. De repente, uma mutação fez com que uma planta passasse a produzir uma substância muito tóxica para esses herbívoros. Essa planta, não tendo sido devorada pelos herbívoros, por hipótese, uma lagarta, produziu muito mais sementes que as que não produziam a tal substância tóxica. Conseguindo viver mais tempo, deixava muito mais descendentes.  Suas sementes se espalharam de tal forma que a proporção de plantas que produziam a tal substância tóxica foi aumentando cada vez mais ao longo das gerações, até que sobrassem somente plantas produtoras da substância tóxica. Enquanto isso, aconteceu um outro fenômeno: uma mutação surgiu em um dos indivíduos da lagarta. Essa mutação permitia à lagarta que seu sistema digestivo decompusesse a tal substância. A lagarta conseguia se alimentar da comigo-ninguém-pode, mesmo que ela possuísse a substância tóxica. Somente as lagartas que tinham essa mutação conseguiam se alimentar adequadamente. Essas, a cada geração, deixavam muito mais descendentes do que aquelas que não sofriam com o efeito da substância tóxica. Resultado? Após algumas gerações, todas as lagartas existentes eram capazes de digerir a substância tóxica, mesmo que todas as plantas a produzissem. Ou seja, a tal substância não servia mais para proteger a planta da lagarta. Mas ambas haviam mudado. Isso é coevolução: as espécies se modificando ao longo das gerações em função da pressão de seleção resultante da relação com outras espécies. 

Esse fenômeno pode ter acontecido muitas vezes e de diversas formas ao longo da evolução da comigo-ninguém-pode. Em uma dessas vezes, houve uma mutação que fez com que a comigo-ninguém-pode produzisse ráfides. E é assim que as plantas possuem várias substâncias, sendo que algumas servem atualmente para algo e outras, que não causam nenhum efeito deletério na planta, foram ficando... e é por isso que hoje temos tantas plantas medicinais e aromáticas. 


Mas não é só para a defesa que a coevolução! Foi assim também que surgiram os cheiros e as cores espetaculares das flores que atraem insetos e pássaros que, por sua vez, possuem bicos e trombas do tamanho perfeito para chegar ao néctar. Foi assim, por meio da coevolução que se desenvolveram, por exemplo, as formas incríveis das orquídeas, parecidíssimas com os insetos que as polinizam. Quanto mais parecida com o inseto, maior a chance de polinização e maior a quantidade de descendentes. Geração após geração, a quantidade de flores mais parecidas com o polinizador era maior. 

Foi por meio da coevolução que boa parte da biodiversidade existente hoje no nosso planeta surgiu. 

A domesticação, por outro lado, é o processo pelo qual as plantas e os animais que nós, humanos, usamos para suprir as nossas necessidades são modificadas por nós, ao longo das gerações, conscientemente, de forma que as modificações atendam aos nossos interesses. É assim que hoje há milhos com grãos e espigas grandes e nutritivos bem diferentes dos grãos da planta que lhe deu origem, o teosinte. Agricultores e agricultoras, ao longo das gerações, escolheram os grãos maiores e mais produtivos, e o milho foi sendo transformado para atender aos nossos interesses.

Venho pensando sobre algumas plantas que nós, humanos, usamos há muitas gerações na forma de chás, medicinas, magias. As plantas medicinais, aromáticas e mágicas. Há milênios, plantas como a sálvia, o manjericão ou a mirra vêm sendo plantadas e utilizadas pelos seres humanos. E há milênios nós as podamos e colhemos. Acho que é por isso que muitas plantas exigem que as podemos para continuarem vivas. O manjericão é assim. Se não for podado quando está em flor, acaba morrendo logo depois de florescer. Se o podamos na época certa, pode continuar vivendo por anos. É assim também com a pimenta. Ela fica muito mais saudável se estamos sempre colhendo seus frutos. Se os deixamos secar na planta, ela acaba definhando e morrendo. Umas espécie de dependência é criada ao longo do processo de domesticação! Vejam o que acontece com os animais domésticos. São quase que totalmente dependentes de nós. Até afetivamente, como acontece com os cães. 

Na domesticação, a relação é unidirecional. Humanos selecionando e modificando animais e plantas. Na coevolução, ambas as espécies envolvidas se modificam como resultado da relação entre elas. 

Assim, temos, há milhares de anos, provocado mudanças nas plantas como resultado da seleção das sementes para plantio e como resultado do manejo ao qual as submetemos. E nós, humanos? Essas relações que temos com as plantas e os animais... como têm nos modificado? O que estamos dispostos a deixar plantas e bichos modificarem em nós? Ainda que mais para a poesia do que para a ciência, penso que vale pensarmos em como nossa relação com as plantas e com os animais pode nos levar a (co)evoluirmos para o benefício de ambos. 

Revirando teoria e ciência pelo avesso, sonho com a possibilidade de que a co-evolução deixe de parecer somente uma corrida para ver quem é que vai se dar melhor mas, ao contrário, que seja o impulso que nos conduza mais rápido às mudanças necessárias para que alcancemos logo o mundo de paz e abundância que todos desejamos...