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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Formigas: Pragas ou Aliadas?*


Se há uma pergunta recorrente na Jardinagem Agroflorestal, essa pergunta é: “Como acabo com as formigas cortadeiras?”.
As formigas cortadeiras são geralmente consideradas as pragas mais terríveis e de difícil combate com a qual podemos nos deparar no jardim. Ai que raiva que dá quando, de um dia para o outro, desaparece aquela muda que plantamos com tanto carinho. Como nos sentimos impotentes diante da velocidade com que são capazes de destruir nosso plantio! Me perguntam sempre como fazer para eliminá-las. O desejo é que sejam extintas. A presença de um formigueiro é, via de regra, vista como algo ruim e indesejado. Os mais esclarecidos me perguntam como acabar com elas de forma ecológica... desde que sumam dali. “Será que é tão grave assim eu usar iscas?”... “só um pouquinho”.
O problema do uso de venenos para combater as formigas cortadeiras ou qualquer outra “praga” que surja no nosso jardim agroflorestal não é somente o risco de contaminação do ambiente. Essa é somente uma das consequências possíveis. O estrago maior que realizamos quando utilizamos esses produtos é que eliminamos um ser que não está ali por acaso. Está ali para realizar uma tarefa. E quase sempre uma tarefa importante e que tem como objetivo aumentar a quantidade de vida e promover o equilíbrio do nosso sistema. Aquele ser geralmente está ali para nos mostrar algo. E toda vez que simplesmente utilizamos um veneno para eliminar uma “praga” do nosso jardim, estamos perdendo a oportunidade de aprender um pouco mais sobre a natureza e seus mecanismos, sobre as estratégias que a vida utiliza para se perpetuar no planeta, sobre como podemos agir para nos tornarmos cada vez mais íntimos da natureza. Porque, afinal, um jardim agroflorestal não é um conjunto de objetos de decoração, não é apenas um cenário para nossa casa. Um jardim agroflorestal é muito mais do que isso. É uma maneira de nos tornarmos parte do ciclo da vida, parte do sistema vivo planetário.           
Diferentemente do que a maior parte das pessoas acredita, as formigas cortadeiras não se alimentam das folhas que cortam. As folhas que elas cortam são utilizada por elas no cultivo dos fungos dos quais elas se alimentam. As formigas são jardineiras, assim como nós. As iscas normalmente utilizadas para eliminar as formigas são tóxicas para esses fungos. Com a morte dos fungos, o formigueiro entra em colapso.
Apesar de só vermos o que existe acima do solo, abaixo dele, sob nosso jardim, existe um mundo. Um mundo cheio de vida. Um mundo capaz de acumular grande quantidade de carbono sob a forma de matéria orgânica. É a matéria orgânica que deixa nosso solo negro, fofo e cheiroso e que deixa a terra nutritiva para nossas plantas. Um jardim agroflorestal bem cuidado é tão rico e diversificado abaixo quanto acima do nível do solo. Raízes se entremeiam com camadas sobrepostas de seres vivos, túneis feitos por bichos diversos, ninhos de insetos, larvas... e formigueiros. Dentro desses formigueiros, grande quantidade de carbono é fixado com o acúmulo de folhas e fungos.
Que plantas as formigas cortam para fazer esse serviço? Elas cortam qualquer planta indiscriminadamente? Observe. Que plantas elas preferem? As formigas cortam plantas saudáveis que já estão firmemente instaladas no seu jardim? Ou preferem as mudinhas que acabamos de plantar, recém chegadas? Preferem folhas velhas ou novas? Em que tipo de situação? Em que época do ano? Elas devoram todas as folhas ou selecionam algum tipo específico? Em que altura da planta elas atuam?
Observei, em meu quintal agroflorestal, as formigas cortadeiras atuando em diferentes situações. Uma delas, muito comum, é quando planto uma mudinha de alguma espécie exótica e exigente como a roseira ou a laranjeira. Elas percebem que o solo ainda não está fértil o suficiente para essas plantas. Ou também, quando planto mudinhas de espécies que são de pleno sol (emergentes) na sombra. As formigas, sabendo que plantei no lugar errado, vão lá consertar o meu erro tirando a mudinha dali! Já me aconteceu também da formiga tirar uma roseira (que é emergente) de um lugar onde havia sol mas que, com o crescimento das árvores que plantei por ali, tornou-se lugar de sombra. O lugar deixou de ser adequado para a roseira, apesar de ter acumulado mais vida. Também já vi formigas fazendo uma faxina geral ao redor da goiabeira, cortando e levando frutos caídos no chão. Maravilha! Nesse caso, achei foi bom, porque, afinal de contas, goiabas apodrecendo no chão atraem as mosquinhas das frutas... Certa vez, as formigas me mostraram que eu havia feito uma poda totalmente errada em um pessegueiro. Tanto a época do ano quanto a fase da lua tinham sido inadequados. A formiga foi lá e cortou todos os brotos e folhas novas. Outra vez, a formiga estava cortando, lentamente, as folhas velhas de um hibisco. Dei uma poda geral e caprichada, observando bem a arquitetura da planta e altura com relação às vizinhas. Resultado: o hibisco rebrotou lindo e vigoroso graças à dica das formigas sobre a necessidade da poda. Em cada uma dessas situações, aprendi algo novo sobre como cuidar melhor do quintal, sobre a melhor época de podar, sobre onde e quando plantar o quê.
É por isso que eu não me preocupo em eliminar os formigueiros do meu jardim. Há alguns. E fico feliz ao saber que estão acumulando matéria orgânica no solo. Basta olhar para o quintal e perceber seu vigor e exuberância para saber que elas não estão nos causando nenhum mal significativo.
Mas o que fazer quando há uma planta que desejamos muito muito e que a formiga não nos deixa de jeito nenhum cultivar? Roseiras, por exemplo. As formigas são implacáveis com as roseiras. Ahhh... há que se trabalhar o solo e prepará-lo para receber plantas tão exigentes assim. Há que se ter paciência. Isso, às vezes, exige tempo. De que adianta acelerar as coisas, colocar veneno, matar os formigueiros, empobrecer o lugar, somente para satisfazer meu desejo de ter rosas no jardim? Há que se desapegar, às vezes, de desejos assim... Há tantas outras flores lindas, coloridas e cheirosas mais adaptadas ao meu lugar. Hei de ser capaz de esperar o tempo das roseiras... ou, às vezes, simplesmente desistir delas e esquecer o assunto.





* Publicado originalmente na edição de fevereiro de 2012 do Jornal "Deusa Viva", da Teia de Thea (www.teiadethea.org). Todas as fotos postadas nesse Blog, salvo quando for mencionado, são de Helena Maria Maltez e podem ser usadas livremente desde que sem fins comerciais e que sejam citados a autora e a fonte.  

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Darwinismo Social e Complexidade

Encontro no meio do artigo de Lúcia Nagib sobre arqueologia na América Latina datado de outubro de 2000 publicado no caderno Mais! da Folha de São Paulo: "(...) como as do darwinismo social, que propunha que as sociedades complexas seriam superiores às simples." (...). 

Independentemente do contexto em que se encontrava a frase, reencontrá-la me impactou:

O que significa essa concepção?
O que é uma sociedade complexa?
Quais os indicadores de complexidade?
O que é complexidade?
O que é mais complexo? Que todos os produtos fabricados com milho encontrados em todas as prateleiras de todos os supermercados utilizem menos de uma dezena de genótipos exatamente iguais da uma dezena (um chute) de variedades transgênicas existentes no mercado hoje? Ou será que é mais complexo o cultivo familiar de milhares de diferentes genótipos refletidos nas centenas de variedades crioulas selecionadas por gerações e gerações de agricultores e agricultoras, cada um desses genótipos adaptados a um microambiente específico, a ser plantado em uma determinada época e que será utilizado para centenas de diferentes finalidades e receitas?
Qual desses dois cenários contém conhecimento mais complexo?
Qual deles necessita de relações interpessoais mais complexas?
Qual deles trabalha em um ambiente natural mais complexo?
Que sociedade, então, segundo o darwinismo social, estaria mais próxima de ser superior?
Mas a ideia de "sociedade superior" também me apavora.
Haveria possibilidade de convivência? 
Como seria isso?