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sábado, 4 de agosto de 2012

Se o que Desejamos e a Vida, por que Criamos Desertos?*

Vou lhes contar três histórias. Descubram o que elas têm em comum.
A primeira aconteceu em uma escola de ensino fundamental em uma pequena cidade do norte de Minas. Fiquei muito intrigada pois, apesar do espaço disponível, não havia árvores. O ambiente era árido e poeirento e as crianças não tinham outra alternativa a não ser brincar sob o sol escaldante. Perguntei. Uma professora me contou que, pouco tempo atrás, haviam sido plantadas algumas árvores. Entretanto, durante as férias escolares, todas as elas haviam sido cortadas por medo de que, quando estivessem grandes, as crianças subissem, caíssem e se machucassem!
A segunda história acontece todos os dias em todos os lugares onde quer que haja araucárias. Vários agricultores em Minas e no Paraná me contaram ser muito comum que qualquer araucária que se atreva a nascer por aquelas bandas seja imediatamente arrancada. Afinal, a araucária é protegida por lei. Seu corte é proibido.  Então para evitar verem suas áreas serem “infestadas” por araucárias que não poderão cortar quando crescerem, arrancam-nas ainda bebês. Aliás, isso é muito comum com toda a Mata Atlântica, ecossistema também protegido por lei. Os agricultores, no temor de “perderem” áreas agrícolas para a floresta, não deixam a regeneração florestal acontecer.
A terceira história aconteceu no meu quintal. Adoro árvores. E o guapuruvu é uma de minhas prediletas. Acho-o lindo, elegante e muito ornamental. Eu sonhava em ter um no meu quintal. Para isso, vivia semeando-o em vários cantinhos até que um dia, finalmente, uma das sementes germinou e se estabeleceu. Apresentei a arvoretinha em crescimento a um visitante. No que ouvi: “mas você não tem medo de que ele caia sobre a sua casa?”. Achei incrível a pergunta. Como eu poderia me sentir ameaçada por aquela arvoretinha da minha altura? Até representar alguma ameaça, aquele guapuruvu enfeitará meu quintal por uns 8 ou 10 anos! Sua presença deixará o solo úmido e o lugar cheio de vida. Quando eu me sentir ameaçada, eu corto. Terei um monte de matéria orgânica para alimentar meu solo e certamente outro guapuruvu crescendo para substituí-lo em belezura pois não parei de plantá-los.
Percebem? Destruímos sistematicamente a vida antes mesmo que ela represente uma ameaça real. Criamos desertos por medo do suposto mal que a vida, nessas histórias representadas pelas árvores, poderá talvez nos causar em um futuro distante. Estamos dispostos a pagar o preço da escravidão consumista, mas não estamos dispostos a lidar os pequenos supostos “incômodos” que a diversidade de espécies essencial à manutenção da vida no planeta nos causam. Nos irritamos com cocôs de passarinho, com folhas do chão, com galhos ou frutas que caem. Mas não nos preocupamos com a perspectiva do aquecimento global, da desertificação ou simplesmente da solidão biológica criada pelo ambiente de aço, vidro e concreto das grandes cidades.
Creio ainda que esse seja um padrão muito comum em várias dimensões da nossa vida, seja ele afetivo ou da expressão dos nossos dons no mundo. Matamos nossas mudinhas antes mesmo de saber se darão bons frutos e boa sombra. Evitamos a vida para não sofrermos um sofrimento que nem sabemos se acontecerá... E se acontecer? Quem teve uma infância de subir em árvores sabe que o eventual (e menor quanto maior a prática) risco de um braço quebrado vale a pena. Ou não?
* texto originalmente publicado na edição de julho do Jornal mensal "Deusa Viva", da Teia de Thea (www.teiadethea.org)

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