Se há uma pergunta recorrente na
Jardinagem Agroflorestal, essa pergunta é: “Como acabo com as formigas
cortadeiras?”.
As formigas cortadeiras são
geralmente consideradas as pragas mais terríveis e de difícil combate com a qual
podemos nos deparar no jardim. Ai que raiva que dá quando, de um dia para o
outro, desaparece aquela muda que plantamos com tanto carinho. Como nos
sentimos impotentes diante da velocidade com que são capazes de destruir nosso
plantio! Me perguntam sempre como fazer para eliminá-las. O desejo é que sejam
extintas. A presença de um formigueiro é, via de regra, vista como algo ruim e
indesejado. Os mais esclarecidos me perguntam como acabar com elas de forma
ecológica... desde que sumam dali. “Será que é tão grave assim eu usar
iscas?”... “só um pouquinho”.
O problema do uso de venenos para
combater as formigas cortadeiras ou qualquer outra “praga” que surja no nosso
jardim agroflorestal não é somente o risco de contaminação do ambiente. Essa é
somente uma das consequências possíveis. O estrago maior que realizamos quando
utilizamos esses produtos é que eliminamos um ser que não está ali por acaso.
Está ali para realizar uma tarefa. E quase sempre uma tarefa importante e que
tem como objetivo aumentar a quantidade de vida e promover o equilíbrio do
nosso sistema. Aquele ser geralmente está ali para nos mostrar algo. E toda vez
que simplesmente utilizamos um veneno para eliminar uma “praga” do nosso
jardim, estamos perdendo a oportunidade de aprender um pouco mais sobre a
natureza e seus mecanismos, sobre as estratégias que a vida utiliza para se
perpetuar no planeta, sobre como podemos agir para nos tornarmos cada vez mais
íntimos da natureza. Porque, afinal, um jardim agroflorestal não é um conjunto
de objetos de decoração, não é apenas um cenário para nossa casa. Um jardim
agroflorestal é muito mais do que isso. É uma maneira de nos tornarmos parte do
ciclo da vida, parte do sistema vivo planetário.
Diferentemente do que a maior
parte das pessoas acredita, as formigas cortadeiras não se alimentam das folhas
que cortam. As folhas que elas cortam são utilizada por elas no cultivo dos
fungos dos quais elas se alimentam. As formigas são jardineiras, assim como
nós. As iscas normalmente utilizadas para eliminar as formigas são tóxicas para
esses fungos. Com a morte dos fungos, o formigueiro entra em colapso.
Apesar de só vermos o que existe
acima do solo, abaixo dele, sob nosso jardim, existe um mundo. Um mundo cheio
de vida. Um mundo capaz de acumular grande quantidade de carbono sob a forma de
matéria orgânica. É a matéria orgânica que deixa nosso solo negro, fofo e
cheiroso e que deixa a terra nutritiva para nossas plantas. Um jardim
agroflorestal bem cuidado é tão rico e diversificado abaixo quanto acima do nível
do solo. Raízes se entremeiam com camadas sobrepostas de seres vivos, túneis
feitos por bichos diversos, ninhos de insetos, larvas... e formigueiros. Dentro
desses formigueiros, grande quantidade de carbono é fixado com o acúmulo de
folhas e fungos.
Que plantas as formigas cortam
para fazer esse serviço? Elas cortam qualquer planta indiscriminadamente?
Observe. Que plantas elas preferem? As formigas cortam plantas saudáveis que já
estão firmemente instaladas no seu jardim? Ou preferem as mudinhas que acabamos
de plantar, recém chegadas? Preferem folhas velhas ou novas? Em que tipo de
situação? Em que época do ano? Elas devoram todas as folhas ou selecionam algum
tipo específico? Em que altura da planta elas atuam?
Observei, em meu quintal
agroflorestal, as formigas cortadeiras atuando em diferentes situações. Uma
delas, muito comum, é quando planto uma mudinha de alguma espécie exótica e
exigente como a roseira ou a laranjeira. Elas percebem que o solo ainda não
está fértil o suficiente para essas plantas. Ou também, quando planto mudinhas
de espécies que são de pleno sol (emergentes) na sombra. As formigas, sabendo
que plantei no lugar errado, vão lá consertar o meu erro tirando a mudinha
dali! Já me aconteceu também da formiga tirar uma roseira (que é emergente) de
um lugar onde havia sol mas que, com o crescimento das árvores que plantei por
ali, tornou-se lugar de sombra. O lugar deixou de ser adequado para a roseira,
apesar de ter acumulado mais vida. Também já vi formigas fazendo uma faxina
geral ao redor da goiabeira, cortando e levando frutos caídos no chão.
Maravilha! Nesse caso, achei foi bom, porque, afinal de contas, goiabas
apodrecendo no chão atraem as mosquinhas das frutas... Certa vez, as formigas
me mostraram que eu havia feito uma poda totalmente errada em um pessegueiro.
Tanto a época do ano quanto a fase da lua tinham sido inadequados. A formiga
foi lá e cortou todos os brotos e folhas novas. Outra vez, a formiga estava
cortando, lentamente, as folhas velhas de um hibisco. Dei uma poda geral e
caprichada, observando bem a arquitetura da planta e altura com relação às
vizinhas. Resultado: o hibisco rebrotou lindo e vigoroso graças à dica das
formigas sobre a necessidade da poda. Em cada uma dessas situações, aprendi
algo novo sobre como cuidar melhor do quintal, sobre a melhor época de podar,
sobre onde e quando plantar o quê.
É por isso que eu não me preocupo
em eliminar os formigueiros do meu jardim. Há alguns. E fico feliz ao saber que
estão acumulando matéria orgânica no solo. Basta olhar para o quintal e
perceber seu vigor e exuberância para saber que elas não estão nos causando
nenhum mal significativo.
Mas o que fazer quando há uma
planta que desejamos muito muito e que a formiga não nos deixa de jeito nenhum
cultivar? Roseiras, por exemplo. As formigas são implacáveis com as roseiras.
Ahhh... há que se trabalhar o solo e prepará-lo para receber plantas tão
exigentes assim. Há que se ter paciência. Isso, às vezes, exige tempo. De que
adianta acelerar as coisas, colocar veneno, matar os formigueiros, empobrecer o
lugar, somente para satisfazer meu desejo de ter rosas no jardim? Há que se
desapegar, às vezes, de desejos assim... Há tantas outras flores lindas,
coloridas e cheirosas mais adaptadas ao meu lugar. Hei de ser capaz de esperar
o tempo das roseiras... ou, às vezes, simplesmente desistir delas e esquecer o
assunto.
* Publicado originalmente na edição de fevereiro de 2012 do Jornal "Deusa Viva", da Teia de Thea (www.teiadethea.org). Todas as fotos postadas nesse Blog, salvo quando for mencionado, são de Helena Maria Maltez e podem ser usadas livremente desde que sem fins comerciais e que sejam citados a autora e a fonte.