Todo o conteúdo deste Blog é de minha autoria (fotos, textos, filmes), salvo menção expressa. A reprodução é permitida, desde que: a) não haja edição; b) sejam dados os devidos créditos e citada a fonte; e c) não seja feito uso comercial. Agradeço se me informarem.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Naturalizção do Absurdo

É incrível que mesmo a pior das coisas, ao se tornar comum, rotineira, frequente, torna-se também "natural". Ou também quando algo faz parte de uma cultura, vem se perpetuando ao longo de dezenas de anos, talvez séculos ou quem sabe milênios, isso também se torna "natural" ainda que repulsivo ou absurdo possa parecer a quem não faz parte daquela cultura. Natural, do latim naturalis, com raiz 'natur' gerando palavras como naturalidade, naturalizar e natureza. Há a natureza que está supostamente fora de nós, a das plantas, da biodiversidade, dos rios e mares, dos oceanos e montanhas silvestres. Mas também é comum ouvirmos alguém dizer: "é da minha natureza". E creio que esta pessoa não está se referindo às árvores, bichos, florestas, savanas e campos de altitude! Também se diz "natural de" como sinônimo de "onde você nasceu". Quanto alguém queria ter nascido em outro lugar diferente do que nasceu de verdade, pode naturalizar-se, adquirindo nova nacionalidade, salvo delírio interpretativo dos conceitos.

Penso em tudo isso ao encontrar duas fotos em arquivos antigos numa tentativa de limpeza do passado. E lembro-me do que pensei quando tirei essas fotos. Naquela época, eu me chocava com a ocupação das áreas verdes de Brasília pelos estacionamentos. Ficava revoltada com a substituição do verde das árvores e gramas que propiciam a infiltração da
água no solo e recarga dos aquíferos, por cimento, concreto, asfalto e pisos de texturas diversas. Me revoltava ver a a quantidade crescente de carros numa cidade totalmente despreparada para isso. Me deixava louca a ideia de que, aos poucos, todos as "esquinas" das comerciais teriam seus bosques substituídos por estacionamentos. Me deixavam triste a cegueira alheia e a minha impotência. Eu não conseguia entender essa capital do país que vai amadoristicamente criando estacionamentos no meio da terra, do barro e da lama. Sentia vergonha. Lembro-me que há muitos anos fui participar de uma reunião com um Senador na época e hoje Governador e tive que deixar o carro no meio da lama, em um estacionamento improvisado. Não pude acreditar que estava na capital da República e estaria em poucos minutos em reunão com um Senador. Tirei as fotos para escrever da minha revolta e gritar a plenos pulmões o absurdo, a bizarrice, o cafona e o fracasso ao qual estava nos levando esse caminho. 

Acabou que não escrevi nem publiquei meu texto de revolta porque havia me determinado a não reclamar de nada e só falar coisas belas e positivas. Hoje, reencontrando as fotos, me dei conta que nunca mais pensei em nada disso. Naturalizou-se para mim a invasão dos espaços da minha cidade amada por carros e mais carros. Isso é bom? Não sei. Mas gostei do reencontro com as fotos que despertou algo que em mim estava adormecido. Que venha a revolta então!

ARBÓREA ILUSÃO


DA REVOLTA


À NATURALIZAÇÃO

Nenhum comentário:

Postar um comentário