Todo o conteúdo deste Blog é de minha autoria (fotos, textos, filmes), salvo menção expressa. A reprodução é permitida, desde que: a) não haja edição; b) sejam dados os devidos créditos e citada a fonte; e c) não seja feito uso comercial. Agradeço se me informarem.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Mobilidade Urbana como Direito e não como Dever

Conversando com um jovem estudante do CEF Dra. Zilda Arns (escola de Itapoã-DF) enquanto cuidávamos dos jardins da escola, perguntei-lhe se continuaria estudando ali em 2015. Ele me disse que não, que iria para uma escola do Plano Piloto de Brasília. Perguntei-lhe o por quê. Ele respondeu que não haveria mais 8o ano em 2015 no CEF Dra. Zilda Arns. Contou-me que um novo assentamento urbano havia trazido muitas famílias para aquela região e que as salas de aula do 8o ano seriam ocupadas por novas classes do 6o ano já que é mais seguro jovens do 8o ano pegarem ônibus sozinhos e irem para o Plano Piloto do que crianças do 6o ano.

Quando penso na questão do caos urbano em que vivemos, ando convencida de que devemos focar nosso investimento em criatividade e dinheiro muito mais em diminuir o deslocamento das pessoas do que em aumentar sua mobilidade. A mobilidade deve ser um direito. Algo que se possa usufruir sempre que se precisar ou desejar. Mas não pode ser uma obrigação. Não é possível que crianças e jovens de todo o Distrito Federal** sejam obrigadas a se deslocar por grande distâncias todos os dias para ir à escola. No caso do ensino particular a questão é ainda mais grave. Todas as escolas particulares de Brasília estão agrupadas em poucos "bairros", nesse modelo urbano maluco de agrupar negócios e serviços... a antítese da sustentabilidade, palavra que os criadores de Brasília definitivamente desconheciam completamente. No caso das crianças e jovens que vivem na zona rural, a questão é trágica.

Todo estudante têm que ter o direito de ir à pé desde sua casa até a escola, como, aliás, muitos da minha geração ainda fizeram. Eu fui à pé à escola entre os 7 e os 11 anos. Sozinha. E minhas memórias são repletas de lembranças das minhas vivências ao longo desse caminho. Lembro-me da figueira de uma casa pela qual eu passava diariamente cuja fenologia eu acompanhava ansiosa, no desejo de saborear o primeiro figo da primavera. Lembro-me de sair de casa ainda à noitinha nos dias longos de inverno. Lembro-me do cheiro da pizza de um trailer que ficava no caminho da volta...

Sabemos o impacto causado pelo movimento de estudantes sobre a mobilidade urbana. É só comparar tempos de aula com tempos de férias escolares. Se o que desejamos são cidades fluidas e descongestionadas, não seria muito mais simples construir escolas em todos os bairros do que priorizar a contrução de vias e mais vias, trens superficiais e profundos, pontes, viadutos e duplicações, frotas gigantes de ônibus? Sim... mas quem ganharia com isso e quem deixaria de ganhar?

Além de reduzir o deslocamento dos estudantes, a construção de escolas em todos os bairros também geraria muitos empregos locais, reduzindo ainda mais o movimento das pessoas para lá e para cá. Escola em todos os bairros é o começo para a descentralização geral. No caso de Brasília, não há como o Plano Piloto ser o centro do Universo. É necessário que, finalmente, cada cidade satélite passe a ser de fato uma cidade, uma comunidade autônoma. Como bônus, o Planeta agradecerá a redução drástica de emissão de gases nocivos à saúde e ganharemos muitas horas para fazermos o que realmente desejamos ao invés de ficarmos grande parte das nossas vidas queimando combustível fóssil em deslocamentos indesejados. Isso vale especialmente para nossas crianças e adolescentes que, ao invés de desfrutarem de mais 1/2 hora de repouso em suas camas quentinhas, cochilam entre um chacoalho e outro sentados em ônibus, vans e carros desconfortáveis.

** Minhas reflexões se referem ao Distrito Federal, onde vivo, mas acredito que a lógica se aplique a toda metrópole)