No meio agronômico, chama-se mato tudo aquilo que você não
quer ver crescer na sua lavoura. Essas plantas indesejadas também são chamadas
de ervas daninhas, ervas más ou plantas invasoras. Imagino que devam existir
dezenas de nomes regionais para essas plantas não queridas pelas pessoas.
Na ideia antropocêntrica de se fazer agricultura, o primeiro
passo é limpar a terra. Tirar da frente tudo o que for verde ou se mexer.
Depois de limpa, planta-se nessa terra as sementes daquilo que se deseja
colher. Geralmente, só uma coisa. Chama-se a isso de monocultivo. Cultivo de
uma única espécie.
Enquanto o que desejamos colher cresce, todo o resto é
considerado mato, erva daninha ou planta invasora quando entra na nossa área.
Qualquer planta que se atrever a germinar naquele solo será arrancada, cortada
ou envenenada. Não há a menor chance de sobrevivência para qualquer outra
espécie que não seja a espécie desejada pelo ser humano que possui aquele
pedaço de chão.
Depois que a planta desejada crescer e produzir aquilo que o
homem quer, se for uma planta anual como o milho, a soja ou o feijão, morrerá e
a terra ficará limpa novamente para que o esse ciclo recomece.
As plantas daninhas são, em regra, odiadas ou às vezes, só
temidas. Há livros e livros dizendo como podemos nos livrar delas. Técnicas
diversas, listas enormes de venenos.
Antigamente, pois, eu também olhava para elas com incômodo.
Não sabia o que pensar e ficava chateada quando cresciam no meu jardim. Ai, que
trabalheira... preciso arrancar tudo aquilo... quanto tempo vai me tomar...
Hoje, tudo se transformou. Sou grata a cada uma delas
individualmente e a todas coletivamente. Elas dão colorido ao meu quintal e
estão sempre dispostas a me ajudar a cobrir o solo quando faço o manejo. Sinto
sua falta quando preciso de matéria orgânica e não há nada disponível e tenho
que trazer de fora. Sinto que há algo errado. De vez em quando, aparece uma
visita casual que me conta que o chá daquela é bom para o estômago e que a flor
daquela outra é comestível. Vou descobrindo pouco a pouco que todas elas tem
uma função, um dom, uma habilidade, uma forma de contribuir para que meu
quintal seja mais bonito e produtivo.
Percebi também que gostam de ser manejadas. Algumas crescem
rápido depois de podadas, fornecendo rotineiramente a matéria orgânica que
preciso para o dia-a-dia. Outras dão florezinhas lindas e delicadas e morrem.
Se cortamo-nas logo depois de florescerem, curtimos as flores e ainda
aproveitamos o restinho de massa para cobrir o solo. Coloco algumas das mais
temidas em vasos e jardineiras onde, reinando, enfeitam e embelezam minha casa.
Descubro novas formas de usá-las ao observar como se comportam, como crescem,
como reagem à poda.
Hoje, quando manejo o quintal, sinto imensa gratidão por
existirem. Convido-as a virem, a se apresentarem, a me revelarem seus segredos.
Nenhuma é indesejada. Como jardineira, agradeço sua existência e utilizo-as.
As plantas que dão a maior parte do alimento hoje (trigo,
milho, arroz, por exemplo), foram um dia plantas daninhas. A cevada era mato no
meio do trigo. Tomou conta e para fazer uma limonada, os agricultores começaram
a domesticá-la. Foi graças a milhares de gerações de agricultores e
agricultoras que trigo, milho e arroz chegaram até nós. Foi com seu incansável
trabalho de plantar, cuidar, colher, selecionar, plantar de novo, todos os
anos, ano após ano, armazenando, trocando, distribuindo... que criaram centenas
de variedades locais adaptadas a cada uma das específicas necessidades. De
todas as cores, de todos os formatos e composições, o milho e o feijão são
exemplos escandalosos. Ambos são latinoamericanos e foram domesticados,
selecionados e adaptados por nossos ancestrais que viveram nessa terra antes de
nós e aos quais devemos boa parte do nosso alimento. Além deles, a abóbora, o
inhame, o cará, a mandioca. A pimenta e o amendoim.
E por onde anda toda essa diversidade? Desaparecendo sob o
mesmo massacre que extermina ainda hoje nossos irmãos indígenas. Sob o massacre
da uniformidade e do controle. Sob o massacre do lucro e da ganância. Sob o
massacre que é para as culturas todas o controle privado da semente, que é a
única possibilidade de futuro.
E nós? Que sementes vamos deixar para as próximas gerações?
*texto originalmente publicado no Jornal "Deusa Viva", da Teia de Thea, em sua edição de outubro.
*texto originalmente publicado no Jornal "Deusa Viva", da Teia de Thea, em sua edição de outubro.
Adorei, Helena, estou fazendo meu jardim e tenho os mesmos sentimentos ambivalentes com essas praguinhas... fiquei super feliz quando encontrei essa publicação ensinando a preparar algumas delas http://www.redesans.com.br/redesans/wp-content/uploads/2012/10/plantas-ruderais.pdf Obrigada e parabéns pelo Blog!
ResponderExcluirGostei muito da sua postagem. Vou olhar mais mensagens no seu blog.
ResponderExcluirSempre sinto dor no coração ao arrancar qualquer planta, mesmo as consideradas daninhas, menos a braquiária! Esta gosto de substituir como o maior prazer! Que ela volte para seu lugar de origem na Africa! Quanto às outras, acho que a Mãe Natureza é sábia e não faz as coisas de forma aleatória, muito menos inúteis. Somos muito ignorantes no que diz respeito ao mundo das plantas. Gosto de estudar e utilizar as plantas para curar, e, mesmo nas mono culturas para alimento, procuro utilizar e preservar as "sementes mães", as naturais que nascem e se reproduzem, podem ser plantadas, colhidas e replantadas. Já consegui chegar no ponto que não mais dependo de comprar semente de milho e feijão, entre outras. Assim vamos voltando às origens e fugindo da máfia das grandes industrias de sementes...