Passo o dia procurando prá lá e
prá cá, rodando como barata tonta pela casa, procurando anotações, lendo trechos
de livros, textos, artigos e finalmente, já de madrugada, vou para o quintal em
busca de inspiração para escrever este artigo. Adentro um quintal totalmente
diverso daquele que encontrei há pouco, no meio da tarde. Outros sons, outros movimentos.
O ruído dos cupins trabalhando, um farfalhar rápido de folhas que denuncia a
passagem de algum animal, ruídos leves de bichinhos diversos e ocultos. Aves,
répteis, insetos? Penumbras, sombras, luzes de lâmpadas de postes atravessando
os espaços há poucas horas ocupados pelos raios do sol. Aos poucos, meus olhos
se acostumam com as cores da noite e os vultos começam a se tornar familiares.
Sento-me em um dos cantinhos mais
aconchegantes do quintal, sob o enorme abacateiro. Ao lado, a jabuticabeira
exibe na penumbra recortada por rajadas de luz sintética os seus galhos
tortuosos que se entrelaçam em um balé em câmera lentíssima, invisível à maior
parte dos olhos humanos acostumados com a alta velocidade da vida moderna. Olho
para cima e percebo que as folhas do guapuruvu estão todas fechadinhas deixando
a luz da lua chegar até o cafeeiro que se encontra logo abaixo, como persianas
abertas para deixar a luz entrar na casa. Fantasio que o guapuruvu fecha suas
folhinhas só para presentear o cafezinho com um banho de luar.
Fico esperando a inspiração
chegar... e nada.
Resolvo caminhar, lentamente,
observando, procurando pistas e dicas.
Encontro uma mudinha pequenina de
cupuaçu que plantei há cerca de 1 mês. Ela começou a lançar folhas novas,
peludas, vermelhas. Sinal de que está feliz naquele lugar. Meu coração se
alegra e se enche de amor. Olho em volta. No raio de 3 metros de onde estou,
olho em todas as direções e conto 34 diferentes espécies. As que consigo ver
naquela meia luz. Algumas com vários representantes. Todas ali ao meu redor, ao
alcance dos meus olhos, da minha voz e da minha intenção. E me sinto inteira
gratidão. Conheço cada um desses seres. Alguns já estavam ali quando cheguei,
outros chegaram trazidos pelo vento ou pelos passarinhos, mas grande parte foi
plantada por mim. Lembro das sementes que lancei e não germinaram, das mudas
que plantei e morreram, das árvores que participaram dos meus experimentos de
poda e não sobreviveram. Logo ali, um pequeno açaizeiro nascido de sementes
presenteadas por amigo querido lança dois perfilhos, dois brotinhos laterais
que formarão a touceira. Ao seu lado, um ingá de metro que podei no último
manejo, feito na colheita dos frutos suculentos com gosto de infância. O chão
ao redor todo coberto com a generosa massa resultante desse manejo. Atrás de
mim, pendura-se um maracujá quase maduro. O último desse pé. Acima, o majestoso
ipê roxo, agora todo folhoso, cuida de todos nós aqui embaixo. Agarrada ao seu
tronco, uma orquídea abriu, nesta semana, 4 flores que recebem os visitantes na
entrada no nosso lar...
Percebo o resultado do manejo que
fiz nesse lugar há poucos dias. O jardim todo responde com beleza ao cuidado
que lhe dediquei. As formas harmônicas, as folhas reluzentes, as cores, a
diversidade de tamanhos, arquiteturas, a beleza de cada uma daquelas plantas,
tão diferentes uma das outras, e todas igualmente belas. Sinto-me como quando
estamos em uma festa cheia de amigos queridos. Sinto-me rodeada de vida.
Imagino a vida existente sob a serapilheira, os bichinhos todos trabalhando
incansavelmente para adubar meu jardim. E sinto a gratidão invadir meu ser.
Agradeço a companhia, os aprendizados, a beleza e a abundância. Declaro o meu
amor. E quanto mais declaro meu amor, maior a intimidade que nos une. E a
intimidade amplifica o meu amor.
Meu quintal é como uma criança
pequena. Se não lhe dou atenção, ele fica com cara de abandonado, com excessos
aqui e faltas ali, coisas secas por cima de coisas vivas, uma bagunça aos
sentidos, ninhos de vespas que se formam aproveitando minha ausência. Ao
contrário, se lhe dou atenção, mesmo que não seja o tanto de tempo que ambos
gostaríamos, mesmo que eu não dê conta de manejar o quintal inteiro; todo ele
desabrocha, fica lindo e declara seu amor por mim em beleza explícita. Quando
estou inteira, quando me entrego à nossa experiência de interação, quando ouço,
olho, observo, converso, presto atenção... meu quintal, assim como uma criança
manhosa, deixa de gemer. Ao contrário, sorri e fica colorido. Depois de algum
tempo distante, voltei a dedicar algumas horas diárias ao cuidado com o
quintal. E lindo, ele me agradece. Sinto vontade de filmá-lo novamente, de
mostrar os novos habitantes, novos ângulos, novos pontos de vista. Sinto-me
invadida pela inspiração e imagino o filme que acontecerá. Não sei se a
experiência rendeu um texto, mas certamente resultará em um filme!
* Texto originalmente publicado na edição de março de 2013 do jornal "Deusa Viva"da Theia de Thea (www.teiadethea.org)
* Texto originalmente publicado na edição de março de 2013 do jornal "Deusa Viva"da Theia de Thea (www.teiadethea.org)
a riqueza e a grande gratidão que sentimos ao ver uma planta bem desenvolvida no nosso jardim sem duvida é maravilhosa, é um sentimento que propaga por todo o planeta, muita paz Helena
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